Já há bastante tempo que um filme não me tocava de forma tão “visceral” e me infundia emoções tão profundas e, de certa forma, perturbadoras. Transe, sem ser propriamente um filme documental (mesmo expondo de forma tão inexorável o drama do tráfico de “carne humana”), é um perturbante (é o mínimo que se pode dizer) testemunho de uma “tragédia” quotidiana que é a exploração da miséria de milhares, milhões até, de raparigas e mulheres neste nosso planeta... milhões de rapariguinhas (algumas delas ainda mal “despedidas” de uma fugidia infância) que, face à miséria de suas vidas, poucas mais perspectivas lhes restam do que agarrarem-se à ténue esperança de um emprego num qualquer país “rico”. E face à miséria também económica dos seus países de origem, até um país pobre, como por exemplo Portugal, consegue passar por país rico... Como nos oferece paradoxos tão interessantes a ordem neoliberal em que habitamos ...
Transe é um verdadeiro soco no estômago. Um soco no estômago que em larga medida é importante levarmos, sobretudo no sentido de despertar para um drama que tem a exacta escala de cada um dos seres humanos, sobretudo mulheres, de que os seus contornos se revestem ...
E creio que é essa sobretudo a dimensão mais essencial em “Transe”: a escala individual e pessoal dessa mesma tragédia e calamidade neo-esclavagista que uma sociedade essencialmente chauvinista e patriarcal persiste em reproduzir, alimentar, ignorar ... e dela todos nós somos cúmplices com o nosso silêncio, com a nossa indiferença, com a nossa insensibilidade para o drama que se desenrola mesmo ao nosso lado, numa das boates da nossa cidade nocturna, na rua, seja onda for... porquê?
http://www.clapfilmes.pt/transe/
A história de Sónia, uma mulher de 20 e poucos anos que abandona o namorado e a família, em São Petersburgo, na Rússia, e decide partir sem olhar para trás para tentar encontrar uma vida melhor noutro país. Sónia vai conhecer a ilusão de uma vida nova e o inferno daqueles a quem a vida parece nada ter para dar. Fazendo a sua "via sacra" Europa fora, atravessando todo o continente, primeiro pela Alemanha, depois Itália, para acabar no extremo oposto, em Portugal, ela vai conhecer toda a miséria e degradação que o tráfico e a exploração dos mais fracos provoca. Um filme sobre a exploração e o tráfico de mulheres que a realizadora Teresa Villaverde ("Os Mutantes") explica a partir das palavras de Santa Teresa de Ávila: "O inferno é um cão a ladrar lá fora". "Estamos no início do século XXI e o cão ladra em toda a parte. Não nos livrámos da tortura, da escravatura, do genocídio. A personagem central deste filme vê esse inferno de frente e de muito perto. Penso que não chega a entrar, porque é preciso fazer parte do inferno para estar lá dentro. Ela não faz parte, mas não há saída. Jorge Semprún escreveu a propósito da sua experiência num campo nazi que um dos motores da sobrevivência é a curiosidade. Se não quisermos olhar, as chamas agigantam-se."
No comments:
Post a Comment