Friday, August 05, 2005

faulhas







4 de Agosto

O ar está insuportavelmente quente, como se fosse ele mesmo brasa em lenta extinção. Todo o céu se cobre de uma densa cortina de fumo. O sol é, autenticamente, apenas um disco laranja que se pressente no céu para além dessa intransponível camada de fumo. Está insuportavelmente quente. De noite está ainda insuportavelmente quente também, nem um simples vestígio de aragem fresca ou vento sequer. Todo o ambiente como se fossem estes os primeiros sinais de um cataclismo que se pronuncia de forma cada vez mais irrevogável … de uma condição cada vez mais intrínseca naquilo que humanidade foi capaz de se tornar …

Os primeiros prelúdios daquilo que poderá ser um cataclismo maior, voraz, capaz de devorar a própria humanidade e a herética civilização que fundaram. E é somente a quase trágica fragilidade humana que emerge em tais instantes … condição tantas vezes esquecida.

Portugal arde inexoravelmente, e não são necessários exercícios de reflexão muito elaborados para perceber porquê. Durante o trajecto que fiz entre Porto e Viseu primeiro, Viseu e S. Pedro do Sul depois, a paisagem inundada de um denso e monótono quadro de pinheiros e eucaliptos, culturas infestantes e parasitariamente depredatórias dos ecossistemas naturais …

O fogo não é tanto um problema quanto mais uma inevitável consequência de um problema bem maior e em relação ao qual parece existir uma nítida dificuldade em assumir … É brutal o grau de disseminação destas espécies infestantes, num período relativamente curto foram capazes de invadir praticamente por completo quase todo o território … uma invasão silenciosa, consentida, a imensos níveis apoiada. Nunca mais me esquecerei de umas imagens que vi, em pequeno, da GNR a carregar sobre uns agricultores que se opunham à plantação de eucaliptos num local cujo nome agora não me ocorre, gente que profundamente admiro tanto quanto abomino a brutal carga dos polícias, força prepotente e autista do poder.

Fui ao Andanças, um evento já tão próprio e com uma identidade tão bem sedimentada … com uma atmosfera única. Em certos aspectos pareceu-me melhor a edição de há 2 anos – nomeadamente no que diz respeito a um maior número e maior diversidade de participantes -, quando lá estive a semana inteira. Noutros aspectos é sem dúvida de assinalar o que me parecem ter sido progressos notáveis em termos de enquadramento ecológico do evento, com uma muito maior preocupação manifestada a esse nível. Gostei bastante de lá ter estado, ainda que tenha estado por um período de tempo relativamente curto …

Entretanto, tive um reencontro que diria, em certa medida, intenso … como é óbvio (pelo menos para mim) não foi certamente um mero acaso, e de certa forma parece que é a cadência de um certo ciclo que fecha ou inicia, no Andanças, tendo lá estado há 2 anos, em circunstâncias sem dúvida diferentes.

Em relação aos incêndios e tudo que me sugerem … de certa forma creio que se seguem tempos que não auspiciam nada de muito positivo para a humanidade … já para não particularizar a situação em relação a Portugal, mas isso são outras reflexões …

O tampo da secretária estava coberto de vestígios de cinza, provavelmente suspensas no ar trazidas dos montes incendiados.

http://www.pedexumbo.com/site2005/andancas1.htm

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